Afecto para 300 órfãos sob as árvores de Marracuene
por FERNANDO PEIXEIRO, LUSA
O Projecto Esperança é apoiado pela organização Padrinhos de Portugal, com doadores anónimos a escolherem uma criança pobre cuja educação financiam, além da alimentação.
Três árvores num recinto fechado em Marracuene dão sombra para grandes mesas onde comem diariamente quase 300 crianças, órfãs, a maioria de pais vítimas de sida. Portugueses anónimos dão o resto, carinho incluído.
Marracuene, nos arredores da capital moçambicana, abriga o Projecto Esperança, apoiado pela organização Padrinhos de Portugal, associação humanitária fundada pela jornalista Catarina Serra Lopes em 2002, que hoje apoia crianças em Marracuene e na Beira, centro de Moçambique.
O apoio para meninos moçambicanas é feito por portugueses anónimos que se tornaram padrinhos de uma criança pobre de Moçambique e, com 95 euros trimestrais, ajudam a pagar alimentação, saúde, material escolar, roupas e até brinquedos.
Francisca Paulo, coordenadora do centro de Marracuene, conta que o apoio a crianças pobres começou antes da ligação à Padrinhos de Portugal, que surgiu a partir do ano passado, quando em apenas duas semanas 70 crianças tiveram um padrinho português.
Hoje as crianças com apoio em Marracuene são 270, entre as quais Jorge Custódio, dois anos, e a Safira, de 15. Nem todas, nota Francisca Paulo, têm noção de que a milhares de quilómetros há alguém que contribui para as duas refeições diárias que tomam à sombra das árvores, para o bibe verde que trazem, para mochila com material escolar e para prendas e brinquedos. Mas outros, adianta, têm a noção dos padrinhos, com quem trocam cartas, fotografias e desenhos.
Lá longe, diz a responsável, "há padrinhos que se preocupam mais com os meninos do que os próprios familiares".
"Temos lindas histórias de amor. Há padrinhos que mandam prendas, vestuário, calçado, alguns que mandam dinheiro e tudo o necessário para fazer a festa de aniversário, como quando dois meninos fizeram anos, em Março, e os padrinhos mandaram tudo, até os balões… há uma grande relação de afecto", conta.
Francisca Paulo emociona-se quando conta estas histórias, rodeada das crianças, às vezes apenas em busca de um sorriso. Lembra, por exemplo, o caso de uma família portuguesa que trocou as férias nos Estados Unidos por uma visita ao afilhado em Marracuene, de onde saiu com mais quatro afilhados. E diz que muitas vezes os meninos choram por ter de, ao fim da tarde, regressar a casa.
São, conta, crianças órfãs, 90% de vítimas da sida, que vivem com um dos progenitores ou com avós, que passavam os dias sozinhas. Crianças que aos nove anos têm de cuidar da casa, trabalhar na "machamba" (horta), cuidar dos mais velhos até. "Aqui têm escola, acompanhamento nos trabalhos de casa, catequese" e duas refeições por dia, além do apoio de seis monitores, auxiliares, cozinheiras e guardas, além de uma foto sua numa casa em Portugal.
"A maior parte destas crianças vive com os avós e tem dificuldades de desenvolvimento. Chegam aqui muito tímidas mas conseguimos vencer isso através de brincadeiras", diz à Lusa Fortunato Liberato, monitor de um grupo da primeira classe.
E, acrescenta Francisca Paulo, as crianças chegam essencialmente carentes de afecto. "O que é gratificante é vê-las aqui, felizes. Tentamos incentivar os monitores e toda a gente a dar-lhes carinho, a faze-los sentir amados, coisa que não têm lá fora."
Sorrisos rasgados, muitas crianças de Marracuene não parecem já tímidas. Nem quando se aproximam em silêncio do adulto e buscam a mão. Primeiro uma, depois duas crianças, e mesmo quando faltam mãos ao adulto continuam a chegar pequenas mãos, em busca de um dedo que seja, nem que para isso tenham de afastar à força a concorrência.
"É impressionante a falta de afecto destas crianças", diz Francisca Paulo.
Em Moçambique, as cerimónias de comemoração do Dia Internacional da Criança, amanhã, sob o lema "Asseguremos a sobrevivência e o bem-estar da criança, garantindo o direito à Educação, Saúde e Protecção" , decorrem em Murrumbala, na província da Zambézia.
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